domingo, 19 de dezembro de 2010

greve

Quando chego aqui em Juazeiro, sempre rola esse momento de conversa com a família em que eu tenho a sensação de que estou vendo a "realidade" da política assim, bem na minha cara. Concursos fraudados, manobras na câmara de vereadores, sessões fechadas, desrespeito a resoluções anteriormente votadas (e aprovadas) em plenário, uso ostensivo de força policial: mais do que procurar nos grandes fatos noticiados, basta dar uma olhada nas cidades do interior para comprovar que o estado de exceção é a regra.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

eleições que não terminam

Não sei quais foram as intenções do(s) criador(es) deste site - e confesso que intenção, em se tratando de discursos midiáticos, é um aspecto que não costuma me interessar tanto -  mas eu não posso deixar de ver com simpatia o deboche presente nas imagens do Fashion Dilma. A ideia me parece uma maneira muito bem humorada de explorar o absurdo que foi, durante a campanha presidencial, as considerações cosméticas e fashionistas em torno da então candidata. A própria união via photoshop dessas duas instâncias - o mundo da moda e a presidenta eleita -  já serve pra assinalar o despropósito da aproximação.

Claro que alguém pode vir falar que não deixa de ser mais uma piadinha infame que se vale dos estereótipos da futilidade pra minar a imagem da mulher na política, mas seria estreito ver apenas dessa forma. E mesmo que tenham surgido como tentativa de ridicularizá-la, as montagens se prestam muito bem a um outro tipo de apropriação.

Não custa lembrar que a imagem mais importante da campanha - a versão estilizada da fotografia da "guerrilheira" - veio inicialmente vinculada a um ataque desastroso e acabou sendo ressignificada. Um pouco nesse sentido, acho que Fashion Dilma pode ser visto também como fina ironia.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

quebra

Declaro iniciado o meu mês antissabático. Deveria ser pelo menos um trimestre, um semestre ou - Deus sabe que tenho boas intenções - um ano. Mas o período é difícil, as tentações são muitas, então convém começar com humildade. E se algo assim não existia, fica declarado que agora existe.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

sinopses alternativas


My best friend's wedding: uma estrela hollywoodiana de comédias românticas, a mais prestigiada durante os anos noventa, precisa lidar com o fato de que se tornou coadjuvante. O filme inteiro elabora esse processo de aceitação mediante o qual alguém pode, enfim, reconhecer o momento de sair de cena.

"Michael's chasing Kimmy? You're chasing Michael? And who's chasing you? Nobody, get it?"

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

pensando os gestos

"Y, ojo, que actuar no es mentir. Es todo lo contrario.Rafael Spregelburd, em uma consideração sobre a mensagem em rede nacional de Cristina Kirchner, mas que serve para pensar muitas outras coisas.

sábado, 16 de outubro de 2010

notas portenhas

Percebi depois que o texto que eu ia preparar com as primeiras impressões da minha volta a Buenos Aires, se ficasse pronto, seria uma espécie de relatório que Lavínia sem dúvida aprovaria. Mas desisti, não vai ter texto nenhum. Não quero nada que exija muita elaboração.

Rádio ligado em Buenos Aires é uma alegria. Nessa cidade é sempre anos oitenta.

A quem interessar possa: aqui também, quando cheguei, só se falava nos mineiros chilenos, e pessoas que estavam voltando do Chile confirmaram que lá a coisa toda era uma comoção nacional. Quem ganha com isso, claro, é Piñera.

Tinha esquecido como a televisão argentina é bizarra. E as dublagens?

E tava qui pensando: que manifestação os portenhos preparam pra hoje? Qual estação do subt será fechada? Ô povo que gosta de um protesto. Acho tudo lindo (na primeira semana).

Ontem eu vi a apresentação de uma bicha elétrica: graças a uma sincronia minuciosamentre planejada, a drag encostava em alguém (ruídos de descarga elétrica! bzZz), a luz apagava e as lâmpadas da peruca acendiam. Enfim, bienvenidos al maravilloso mundo de Buenos Aires.

sábado, 9 de outubro de 2010

divagações telefônicas

Esse negócio de ligar no dia seguinte é sempre uma microtensão. Não me acostumo nunca. O bom é que, aparentemente, eu consegui encontrar um ponto preciso aqui em casa onde o sinal da oi fica estável. Meu celular, o melhor da telefonia fixa.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

vuelta de tuerca

É muita coisa para o juízo do ser humano. Uma mudança que precisa ser minimamente planejada. Um orçamento de gente grande. Reconfiguração das rotinas. Pequenas despedidas. Desgosto político, tensão eleitoral. Dois congressos acadêmicos. Retorno a uma cidade muito, muito querida. Uma possível viagem a um lugar há muito imaginado e que, além de uma vontade, é uma pendência. Planos, ansiedades e – só pra variar – sonhos intranquilos. Se pode ficar mais animado que isso, avisem.

sábado, 2 de outubro de 2010

a política eleitoral e a hostilidade

Num contexto em que qualquer assunto parece ter sua suposta importância para o mundo assegurada, o processo eleitoral é a única coisa que não pode ser enunciada em alguns espaços sem que a pessoa seja imediatamente colocada sob o signo da chatice infinita. A política partidária foi convertida no assunto mais uncool do mundo, alvo de uma hostilidade implacável. Do futebol à enologia, das gordurinhas que (acho que) preciso perder até a forma como caga o meu cachorro, tudo mais é dito publicamente sem que sua relevância seja questionada.

Acontece que há algo no processo eleitoral que o torna digno de um interesse que não me parece, de modo algum, injustificável ou absurdo. E nem recorro, para isso, ao argumento sobre as conseqüências reais e diretas que o resultado de seus trâmites ocasiona a todos – desde os aspectos mais públicos e de larga escala até a nossa intimidade. De fato, o discurso da “importância das eleições para os rumos do país” é um argumento tão desgastado que poucos ainda se atrevem a enunciá-lo, sob pena de se tornarem alvos do escárnio público. O que argumento é mais simples e, talvez por isso, mais fácil de ser levado em consideração. Existe em qualquer interesse algo de injustificável ou de contingencial: gosto porque sim; porque em determinado momento aquilo me pareceu curioso ou interessante ou importante. Essa instância inexplicável se desdobra também no tempo: não me envolvi nas disputas eleitorais de quatro anos atrás, mas me envolvo agora, porque sim – possivelmente porque naquela época houve uma série de fatores objetivos e subjetivos na minha vida que favoreceram um desinteresse por todo o processo. Tais fatores, agora, não seguem atuantes, ou foram suplantados por outros, mais urgentes, e que encontram nas eleições uma forma de apresentação dos seus impasses.

Recorrendo a um argumento menos arbitrário, poderia dizer também que as eleições permitem (re)pensar uma série de tópicos a partir de um outro viés; nelas estão condensados embates e discursos que nos permitem flagrar com mais agudeza alguns problemas contemporâneos. Assim, a candidata que pariu o PAC – e o verbo, embora de mau gosto, reflete bem o tipo de metáfora privilegiada na campanha –, se recorre ao encadeamento de termos como mulher-mãe-natureza-amor-instinto para construir sua imagem pública, isso me diz muito das ficções de gênero e como estas são agenciadas pela cultura do espetáculo. Sobre o poder simbólico a que se conectam os discursos de vitimização e sobre a forma melodramática da mídia é que me fala o esboço canhestro de uma narrativa de pobreza e de superação a que chegou a recorrer o candidato tucano. E se esse mesmo candidato recorre de forma quase desesperada ao lastro religioso de fotos e depoimentos para melhorar sua imagem, isso me fala sobre a persistência da religião e de sua esfera de influência. Também sobre a religião – e não apenas sobre os jogos políticos – tem muito a me dizer a situação da candidata de trajetória esquerdista que se mostra evasiva, por motivos religiosos, frente a tópicos caros à esquerda, como são a descriminalização do aborto e a união civil homossexual. A partir dessa candidata, eu posso ainda interceptar de forma privilegiada as conexões entre a lógica empresarial e a política, tendo como exemplo escolar a contaminação do discurso sobre o meio-ambiente pela retórica da responsabilidade social (a mesma com que as empresas limpam sua imagem e diversificam suas estratégias de marketing). Por fim, é sobre certa inclinação moralista de alguns discursos revolucionários que me fala o candidato socialista que condena a erotização geral promovida pelo mercado.

Poderia continuar enumerando tópicos, mas acredito que estes já são suficientes para assinalar o quanto o escopo das questões em jogo convertem o cenário das eleições em algo bem maior que o mero ofício de militantes fanáticos. As eleições, em suma, são o momento no qual a superexposição dos atores e a intensidade dos embates tornam visíveis pontos críticos da vida política e cultural. E se há toda uma retaguarda de marqueteiros, assessores e consultores que buscam efetivar a missão mais ingrata do pleito – possibilitar o máximo de visibilidade ao candidato com o mínimo de desgaste – , acredito que mesmo com os seus mais caprichados recursos (burilar a aparência física, evitar as perguntas polêmicas, alcançar a maior neutralidade possível ao mesmo tempo em que se busca transparecer o máximo de comprometimento formal e emocional desejado) ainda assim a força do processo impede a completa eficácia dessa blindagem moral e estética. Nas fraturas da estratégia mercadológica, resvala muito do ideológico que percorre as campanhas como um subtexto, como sua lógica reprimida. Uma declaração impensada, um ato falho, um gesto ou uma resposta menos ensaiada permitem vislumbrar muito do que está em jogo nos mecanismos de poder que aí se renovam.

Este componente de “revelação”, claro, não se limita aos candidatos: estende-se ao jornalismo, à militância, e não deixa de marcar seu rastro inclusive na acidez dos que ostentam uma súbita intolerância, uma hostilidade que não vacila diante do imperativo de converter em piada qualquer gesto ou palavra que pretenda considerar a existência mesma do processo como algo digno de comentário ou de alguma atenção. Hostilidade estranha, já que não é tão fácil justificar por que esse interesse seria menos compreensível ou menos tolerável do que qualquer outro. Na melhor das hipóteses, a agressividade diante da política partidária e institucional – que seria aquilo que, em última instância, se reconfigura em um processo eleitoral – é um gesto de autoimportância duvidosa: implica considerar, como disse, que qualquer detalhe trivial ou escabroso da minha vida íntima é mais “compartilhável” do que uma conjuntura que, por ser pública, poderia em princípio interessar a qualquer um. Não estou bem certo a respeito de qual dos casos demandaria maior cautela em sua pública enunciação.

domingo, 26 de setembro de 2010

in dreams

Meus sonhos (ou no caso de hoje, pesadelos) às vezes vêm bem explicadinhos, com moral da história no fim e tudo mais. Dessa vez, tudo indica que o inconsciente está me mandando a clara mensagem de que, embora eu me engane e pense que venho fazendo tudo direito - e que para cada abstenção há uma justificativa - no fim das contas eu sei que estou mesmo é me autosabotando, e que o passado paira como um fantasma para lembrar o que me espera caso eu não me vire nos trinta.

Evidentemente, se eu contasse isso a um psicanalista ele diria que não tem nada a ver, é outra coisa.

domingo, 19 de setembro de 2010

cá entre nós

Depois do twitter e do mural do facebook, tenho a sensação de que, quando escrevo no blog, garanto um mínimo de reserva. Claro que a exposição existe de qualquer jeito, mas hoje parece um exagero que os blogs tenham sido tão criticados pela exibição desmedida e narcisista que causariam. É possível, então, que essa mudança de perspectiva seja a forma mais prática de lembrar que a privacidade, afinal, assim como quase tudo, é uma noção historicamente variável. Não demora muito, inventam outra coisa e aí a gente vai olhar para o twitter como um meio detentor de salvaguardas suficientes para conceder-nos a sensação de que a nossa intimidade está segura. Enfim, não penso como Saramago, que afirmou que estaríamos caminhando para a era do grunhido como forma de comunicação; a distância entre pensar, elaborar o pensamento, comunicá-lo e ser “ouvido” é que está diminuindo muito rápido.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

legado

De vez em quando eu me lembro das palavras ditas pelo pai de Zelig em seu leito de morte: "life is a meaningless nightmare of suffering". E um dos motivos pelos quais eu adoro Woody Allen é que grande parte de sua obra consiste em estabelecer as condições para que isso possa ser dito como piada.

É por isso que pra mim ele jamais deixou de ser in.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

an-esthesia

E ainda que tenha sido sempre uma grande besteira, foi quando eu perdi o hábito antigo de pensar minha vida como uma narrativa vista por outros, de arranjar pra ela trilha sonora e de emendá-la (passado-presente-futuro) criando com isso algo que se aproximasse de um "sentido", foi, enfim, justamente aí que eu virei esse zumbi que fica na frente do computador comendo chocolates e que não consegue mais se entusiasmar com nada.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

a vida possível

"Estoy siempre interesado en la circulación de las ficciones. No porque yo crea que la realidad es una ficción, o porque crea que no hay punto de verdad o de realidad, para nada. Si tuviera que plantearlo en primera persona, diría que es la idea de la vida posible. En el hecho mismo de escribir el diario que escribo desde hace años, es lo mismo: la ilusión de que uno es otro. Es pensar el como si. ¿Qué hubiera pasado si me bajaba una estación antes del tren? Es imaginarnos en el terreno de lo posible. Ese creo que es el campo personal de la ficción que todos tenemos, no sólo los escritores".

Entrevista de Ricardo Piglia, que pode ser lida aqui.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

vírgulas,

melhor não tê-las.

sábado, 31 de julho de 2010

filmes para dormir

Já contabilizo umas três ou quatro tentativas frustradas de ver Grande Hotel. O insucesso se dá pelo fato de que invariavelmente durmo, quase sempre logo nos primeiros minutos. Mas não diria que isso se deve a um problema do filme em particular, ou mesmo a uma possível falta de interesse de minha parte. Aliás, sequer diria que existe, de fato, algum problema nisso. Simplesmente durmo. Porque há noites em que um filme se torna prazeroso apesar de (ou justamente por) isso: a gente aperta o play e dorme. Porque essa é uma forma agradável de passar os últimos minutos antes de pegar no sono. Ou ainda porque, embora não se consume nenhuma continuidade entre a superfície agradável dos planos e a turbulência monótona dos meus sonhos, ainda assim restam sempre alguns instantes nos quais, entre uma zona e outra - a da vigília e a do sono profundo - nós nos misturamos, temporariamente indiscerníveis.

Do que falei anteriormente decorre, é certo, que não se requer nenhuma característica especial pra que um filme desempenhe essa missão de ser objeto de uma relação espectatorial interrompida (o que por sua vez seria uma forma mais cabeçuda de falar que o cinema é também a valeriana dos aficionados, o lexotan dos que não têm receita nem contatos). Questão de mera contingência que seja este ou aquele o título elegido para figurar como coadjuvante na intimidade das noites de preguiça e de cochilo no sofá. Pela primeira vez executado na nossa televisão em uma noite sonolenta, tal filme passa a ser uma carta na manga: um item abandonado pela metade que poderia sempre ser retomado. De fato, para os mais obcecados, um filme ou um livro pela metade são pendências que pairam exigindo consumação - e ainda que nada nem ninguém oficialize essa cobrança. Daí para uma revisitação em outra noite sonolenta é uma questão de tempo e de certo apego à familiaridade das experiências agradáveis que podem ser repetidas. Delícia de círculo vicioso da preguiça sempre retomado até que, em algum momento, finalmente se completa.

Já tive vários filmes para noites de preguiça. Não poderia contar quantas vezes eles foram vistos senão pela soma de pedaços colhidos ao longo de muitas tentativas. Nunca - ou quase nunca - linearmente vistos. Foram vários os filmes que - pra colocar de forma mais positiva - teriam sido não tanto negligenciados mas, pelo contrário, detentores de um privilégio, porque neles depositei a possibilidade de uma rara e difícil espontaneidade - "fruição" no sentido mais solto e relaxado que o termo poderia sugerir. Deitado no sofá, sem compromisso de consumar a obra, de fechá-la, de chegar ao fim, o filme flui: primeiro como detentor principal da atenção, depois já em um segundo plano obscurecido, rivalizando com o atrativo de cobertas e almofadas, depois sumindo e reparecendo apenas esporadicamente entre um cochilo e outro. Colocando dessa forma, dormir durante um filme não seria indício de fracasso da obra ou atestado de pouco interesse: com meu sono, presto-lhe uma descomprometida e preguiçosa reverência.

terça-feira, 6 de julho de 2010

ancoragens

Quatro meses de doutorado e uma única possível convicção: aquilo que, sempre que revisitado, faz com que nos reapaixonemos pelo nosso problema - isso é o que não pode ser descartado. No meu caso, duas ou três imagens, emblemas.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

as time goes by

Assombrado por uma dúvida: quando a pessoa vai repetidamente se olhando no espelho e dizendo que está acabada, em que ponto ela deve concluir que é uma pessoa acabada?

terça-feira, 15 de junho de 2010

esconjuro

"Acho que, pra começar, o que eu poderia te dizer é: tenta não ficar "impressionada". Mas digo isso no sentido interiorano da palavra, sabe? Lá em Juazeiro, pelo menos, os mais velhos dizem que uma pessoa tá impressionada quando não consegue tirar algo da cabeça, e quando começa a ver esse algo em todo lugar. Ou seja, impressionado é como eles chamam o pirralho que não consegue dormir depois de ver filme de fantasma na televisão, ou a pessoa que fica repetindo a mesma história por dias, se admirando.

Quando digo pra você não ficar impressionada, então, é porque já me impressionei algumas vezes - até com fantasma - e sei que tem horas em que a gente começa a ver a mesma coisa em tudo, e nessas horas, tudo começa a virar
aquela coisa, até um ponto onde a gente já não vê diferença entre prever o que vai acontecer e agir de acordo com o que a gente espera que aconteça".

domingo, 13 de junho de 2010

sin dejar huellas

A opção de voltar não constitui nenhum defeito; faz parte da fraqueza e da dúvida de cada um. É por isso que é preciso colocar fogo na casa antes de partir, abraçar o definitivo logo no primeiro impulso de coragem: para que o mesmo não persista sequer como hipótese.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

a produção intelectual e seus embates

Exceto por algumas (poucas) ressalvas, eu concordo com quase tudo que aparece no tão comentado texto de João Moreira Salles, lido durante a conferência para a Academia Brasileira de Ciências. Se as pessoas da área parassem um pouquinho de achar que precisam se defender de todo mundo o tempo inteiro e partissem para uma saudável e necessária auto-crítica, peceberiam logo que todo o hype excessivo em torno das artes é completamente injustificado.

Nesse sentido, a resposta dos que tentam rebater o texto é bastante sintomática do tipo de estratégia que orienta as respostas do campo: logo recorrem ao argumento defensivo de que as insuportavelmente apolíneas "ciências duras" pretenderiam apossar-se de todas as fontes de financiamento e, de quebra, relegar à extrema margem toda forma de delicadeza. Não duvido de que em alguma medida isto seja verdade. O problema é que, se a compensação se dá de forma simbólica pela exaltação do estiloso e do descolê como critérios para o que seria socialmente relevante ou digno de visibilidade, pior para nós. A afetação, a arrogância e a egolatria de tantos profissionais das artes e da moda, bem como a inflação dos recursos públicos para projetos e ações artísticas de relevância duvidosa são todos indícios de que a distribuição desigual de prestígio e visibilidade talvez esteja revelando sua face insustentável e seus efeitos nocivos.

Longe de mim querer fortalecer posições retrógradas que tentam pautar escolhas profissionais pelo critério da utilidade ou da mensurabilidade dos resultados - minhas escolhas sempre contrariaram esse tipo de perspectiva. Não obstante, nos tempos em que meio mundo canta, dança e representa - ou assim acredita -, acho interessante que alguém proponha pensar os modos pelos quais são determinados o peso e o reconhecimento que as distintas profissões terminam por adquirir dentro de uma certa economia do trabalho intelectual.

sábado, 29 de maio de 2010

sobre o porvir

"'Entrevado, desliza, arrasta-se, e o ruído niquelado de seu corpo ao aproximar-se é a única música que se ouve nos desertos calcinados do presente. Do outro lado, no outro front, já se exibe a heterogeneidade daquilo que nossos inimigos sempre consideraram idêntico a si mesmos. O que se poderia imaginar unido, sólido, começa a fragmentar-se, a dissolver-se, erodido pela água da história. Essa derrota é tão inevitável para eles quanto para nós é inevitável suportar o lastro que sua presença, seu cinismo, sua perversão calculada deixaram em nossa memória. Ou porventura alguma vez deixou de fluir, vinda do passado, a proliferação incessante da morte?', disse o Senador. 'Eles, nossos inimigos, com que convicção irão resistir? Que convicção poderá ajudá-los a resistir? Não poderão resistir. Eles vacilam, presos à aridez do porvir. Quanto a nós, aprendemos a sobreviver, conhecemos a substância cristalina, incessante, quase líquida, de que é feita nossa capacidade de resistir'" (Respiração artificial, Ricardo Piglia, tradução de Heloisa Jahn).

domingo, 23 de maio de 2010

just in time

Rever um dos filmes que costumavam embalar suas ilusões românticas há alguns anos é como transformar a casa em um sepulcro: cheio de velhos fantasmas.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

pequenos cataclismos

Quando o tempo presente, esse tempo aberto, das dúvidas, revela-se tão ameaçado que só pode ser percebido como o instante em que as vidas se adensam para desvendar o que permanecia velado – mais uma vez a equivocada metáfora –, o que o eterno-imediato confronta é o ponto de virada, a força centrífuga que nos dispersará. É esse o segredo: o que há de mais denso e definitivo parece contraditoriamente vago ou irreal por ser aquilo que está sendo jogado em nossas vidas sem fazer ruído enquanto, descrentes da mudança, ocupamo-nos com as mesmas perturbadoras distrações.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

lá e cá

Adiando o início da preparação de um seminário, escuto ao longe a televisão e penso na solução para os meus problemas: preciso me tornar uma personalidade pública poderosa como Dilmão, que vai ao sbt dar entrevista de helicóptero. E para que não reste dúvidas, logo em seguida a mesma reportagem informa que  Serra está, pasmem!, em Juazeiro do Norte pedindo a benção ao padre Cícero.

É a cobertura das eleições mostrando que a solução para os meus problemas geográficos está no estilo de vida da política brasileira.

domingo, 16 de maio de 2010

cinco minutos

Depois de duas ou três sonecas, o despertador do celular aparentemente desiste de mim. Chega a ser imoral sua condescendência para com o meu sono - um sono que por sua vez é eterno, como o desejo dominical de tomar frozen café.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

destempos

O sujeito acorda pensando que ainda hoje vai comer a comida da mãe, descansar, ver a família, fugir uns dias da loucura e então as coisas dão muito, mas muito errado. Aí bate a dúvida, se essa confusão é de fato aberrante ou se é tudo muito comum e você só está superestimando porque, afinal, foi com você que aconteceu e só a partir desse ponto de vista é que a bagunça se torna visível em todos os seus detalhes, sem controle.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

as formas do litígio

Toda sexta-feira pela manhã eu volto à leitura do grupo de estudos, em uma tentativa de dar conta do que será discutido logo mais. E toda sexta-feira sinto um certo remorso por estar tão atrasado, e fico pensando como é que eu pude não ler isso antes, com um pouco mais de tempo.

"A heterogeneidade dos jogos de linguagem não é um destino das sociedades atuais que viria suspender a grande narrativa da política. Ela é, ao contrário, constitutiva da política, é o que a separa da igual troca jurídica e comercial de um lado, da alteridade religiosa ou guerreira de outro" (O desentendimento, Jacques Rancière)

segunda-feira, 12 de abril de 2010

traços fundantes

Talvez as pessoas nunca encontrem, de fato, uma definição estável para si, mas depois de certa idade existem pelo menos alguns aspectos que começamos - mesmo que um pouco a contragosto - a reconhecer. Nesse ponto da minha vida, só posso discernir dois marcos imprecisos e, no entanto, aparentemente definitivos: 1) eu não sei andar em linha reta e 2) eu só gosto do que é "inútil".

sexta-feira, 19 de março de 2010

testemunho

"Fábio! São dez da manhã e eu ainda estou acordada porque tomei um doce. Ainda louca. Sentada no chão do ap com Aninha no telefone tentando descobrir como a gente chega em Ubatuba, um dj argentino dormindo no chão e um uó colombiano. E eu tô louca, não consigo dormir. Tanta saudade de tu!"

Porque tudo se torna um pedaço de vida quando compartilhado: o desbunde, a falta de dinheiro, as crises.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

let's get together

Em múltiplas conversas eu me pergunto: seria ainda esta cidade o cenário de ideias apaixonadas ou o terreno já se tornou irremediavelmente árido?

pelo espaço

"Para o indivíduo nascido sob o signo de Saturno, o tempo é o meio da repressão, da inadequação, da repetição, mero cumprimento. No tempo, somos apenas o que somos: o que sempre fomos. No espaço, podemos ser outra pessoa. O escasso senso de orientação de Benjamin e sua incapacidade de interpretar o mapa de uma rua transformam-se numa paixão pelas viagens e no domínio da arte de se perder. O tempo não nos concede muitas oportunidades: ele nos impele por trás, empurrando-nos pela estreita passagem do presente que desemboca no futuro. O espaço, ao contrário, é amplo, fértil de possibilidades, posições, interseções, passagens, desvios, conversões, becos sem saída, ruas de mão única. Na realidade, demasiadas possibilidades. Como o temperamento saturnino é vagaroso, propenso à indecisão, às vezes precisamos abrir caminho de faca na mão. Às vezes, acabamos virando a faca contra nós mesmos" (Sob o signo de Saturno, Susan Sontag).

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

from weeds

E então Celia Hodes diz a Shane, comentando o comportamento estranho que ela passou a assumir após o diagnóstico de sua doença: "Let your freak flag fly!"

os males da isenção

Que eu nunca esqueça as últimas eleições presidenciais no Chile, quando precise de armas contra qualquer argumento infame em favor do voto nulo. No caso, a posição daqueles que anularam o voto foi determinante para colocar no poder, pela primeira vez em décadas, um direitista conservador, descendente direto da linha Pinochet.

No fim das contas, e a despeito da recorrente ladainha de que nenhum dos candidatos estaria à altura das tão preciosas idealizações e anseios dos que se abstêm, é justamente nessa deficiência onde a política se faz; nessa negociação com características conflitantes e insuficientes em relação ao patamar demarcado por tudo aquilo que seria o ideal.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

in touch

Reformulando o sentido de obra pessoal a partir das novas tecnologias:
acho que acabo de escrever o meu melhor scrap.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

o mesmo conto

Como sempre acontece, passaram-se mais de vinte dias e o meu cabelo virou abóbora.