sábado, 31 de julho de 2010

filmes para dormir

Já contabilizo umas três ou quatro tentativas frustradas de ver Grande Hotel. O insucesso se dá pelo fato de que invariavelmente durmo, quase sempre logo nos primeiros minutos. Mas não diria que isso se deve a um problema do filme em particular, ou mesmo a uma possível falta de interesse de minha parte. Aliás, sequer diria que existe, de fato, algum problema nisso. Simplesmente durmo. Porque há noites em que um filme se torna prazeroso apesar de (ou justamente por) isso: a gente aperta o play e dorme. Porque essa é uma forma agradável de passar os últimos minutos antes de pegar no sono. Ou ainda porque, embora não se consume nenhuma continuidade entre a superfície agradável dos planos e a turbulência monótona dos meus sonhos, ainda assim restam sempre alguns instantes nos quais, entre uma zona e outra - a da vigília e a do sono profundo - nós nos misturamos, temporariamente indiscerníveis.

Do que falei anteriormente decorre, é certo, que não se requer nenhuma característica especial pra que um filme desempenhe essa missão de ser objeto de uma relação espectatorial interrompida (o que por sua vez seria uma forma mais cabeçuda de falar que o cinema é também a valeriana dos aficionados, o lexotan dos que não têm receita nem contatos). Questão de mera contingência que seja este ou aquele o título elegido para figurar como coadjuvante na intimidade das noites de preguiça e de cochilo no sofá. Pela primeira vez executado na nossa televisão em uma noite sonolenta, tal filme passa a ser uma carta na manga: um item abandonado pela metade que poderia sempre ser retomado. De fato, para os mais obcecados, um filme ou um livro pela metade são pendências que pairam exigindo consumação - e ainda que nada nem ninguém oficialize essa cobrança. Daí para uma revisitação em outra noite sonolenta é uma questão de tempo e de certo apego à familiaridade das experiências agradáveis que podem ser repetidas. Delícia de círculo vicioso da preguiça sempre retomado até que, em algum momento, finalmente se completa.

Já tive vários filmes para noites de preguiça. Não poderia contar quantas vezes eles foram vistos senão pela soma de pedaços colhidos ao longo de muitas tentativas. Nunca - ou quase nunca - linearmente vistos. Foram vários os filmes que - pra colocar de forma mais positiva - teriam sido não tanto negligenciados mas, pelo contrário, detentores de um privilégio, porque neles depositei a possibilidade de uma rara e difícil espontaneidade - "fruição" no sentido mais solto e relaxado que o termo poderia sugerir. Deitado no sofá, sem compromisso de consumar a obra, de fechá-la, de chegar ao fim, o filme flui: primeiro como detentor principal da atenção, depois já em um segundo plano obscurecido, rivalizando com o atrativo de cobertas e almofadas, depois sumindo e reparecendo apenas esporadicamente entre um cochilo e outro. Colocando dessa forma, dormir durante um filme não seria indício de fracasso da obra ou atestado de pouco interesse: com meu sono, presto-lhe uma descomprometida e preguiçosa reverência.

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