terça-feira, 29 de novembro de 2011

para apaziguar

El rumor de las máquinas crecía
en la sala contigua: ya mi espera
de un adjetivo -o de tu cuerpo- no era
más que un intento de acortar el día.

La noche que llegaba y precedía
el viento del desierto, la certera
luz -o tus pies desnudos en la estera-
del ocaso, su tiempo suspendía.

No recuerdo el amor sino el deseo;
no la falta de fe, sino la esfera-
imagen confrontando su espejeo

con la textura blanca, verdadera
página -o tu cuerpo que aún releo-:
vasto ideograma de la primavera.

Severo Sarduy

sábado, 21 de maio de 2011

contra as nulidades

Pessoas que falam coisas estúpidas e/ou indelicadas com a intenção pobremente mal-disfarçada de chocar. Pessoas que ficam muito sinceramente chocadas com declarações bombásticas pré-fabricadas. Pessoas que tentam contemporizar. Pessoas que se esforçam para articular a opinião menos previsível sobre uma "polêmica" que, no entanto, já nasceu óbvia: pronto, está aí uma daquelas situações em que quase todas as posturas em jogo são igualmente irritantes.

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Entre a "liberdade de expressão" e a "censura", entre o "politicamente correto" e a imbecilidade sem freios, eu fico com a campanha por um pouco mais de silêncio. Muitas vezes, a melhor forma de expressar que algo é muito irrelevante ou babaca é simplesmente não comentar nada a respeito.

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O problema é que nem sempre conseguimos lembrar que, se algumas questões são incontornáveis, existem por outro lado muitos tópicos que poderiam ser simplesmente relegados ao limbo de sua própria irrelevância.

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Toda vez que vejo/ouço as pessoas falando em Rafinhas e Gentilis, Von Trier ou fim do mundo, eu lembro da frase maravilhosa de uma amiga, que carrego para a vida: "eu não quero que isso faça parte do meu imaginário".

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Este post, claro, é em parte uma contradição. Dizer que prefiro não dizer.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

simetrias #2

Inspiração é quando alguém aparece inesperadamente no nosso sonho e mostra, com sua pura presença, que existe uma maneira mais bonita de fazer as coisas.

domingo, 17 de abril de 2011

parafraseando blanchot

O amor é platitude. Pauline à la plage (1983), de Eric Rohmer.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

o horror

Começou mais um daqueles períodos superneurotizantes em que eu sonho quase todas as noites com longuíssimas discussões sobre a tese ou com filmes que seriam incríveis (se existissem) para compor o meu corpus. Foi sempre assim: não importa se é o mais irrisório e burocrático ou o mais importante e ambicioso, nos momentos mais intensivos o trabalho sempre colonizou as minhas noites, transformando o sonho em um prolongamento mais acurado das preocupações do dia.

sexta-feira, 18 de março de 2011

simetrias

Não sei quem nesse mundo consegue sobreviver sem algum tipo de referência ou modelo. Há sempre algum momento em que o derrotismo se alastra, contaminando o resultado de qualquer especulação, e nessas horas eu preciso lembrar que existem pessoas que sabem viver melhor do que eu. São elas que me fazem acreditar um pouco que, se observá-las bem, há algo ali que posso aprender – ou melhor, intuir, porque geralmente eu as conheço pouco ou quase nada. Esse algo a ser capturado não é nenhum modus operandi que poderia ser reproduzido, mas uma espécie de força vital que me deixa elétrico às três da manhã enumerando caminhos, fazendo listas, tramando planos, vislumbrando, enfim, um modo de seguir adiante. Desnecessário observar que quase tudo aí não passa de ficção e projeto. Não tenho a ilusão de conhecê-las: a imagem que delas conservo é tão precisa e suficiente quanto a realidade mesma que habita cada um desses encontros.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

narciso cansativo

Há muito tempo atrás, bem antigamente, havia uma coisa chamada decepção amorosa. Mas aí o tempo passou e hoje - nessa época estranha em que o mais tosco do outro está bem ao alcance, exposto em qualquer rede social - a gente morga tão rápido uma paquera que, na maior parte das vezes, o máximo que vai conseguir é um breve flerte decepcionante. Quase sempre só dura até o momento em que alguma exposição virtual (não-solicitada, é importante ressaltar) venha desfazer qualquer curiosidade. E não é nem que eu me ache grande coisa, muito pelo contrário. É só porque não dá mesmo.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

resposta

"... mas é que, na minha vida, as coisas que realmente importam são magnificadas por elas mesmas (ou será por mim e eu nem percebo?, sei lá) e eu não sei explicar e eu não quero explicar e eu também já não me importo mais com isso".

Recebido em algum dia no ano de 2005.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

pequenos contos latino-americanos

"E quando abri os olhos, uma sombra se descolou de uma parede, na mesma calçada, a uns dez metros, e começou a avançar na minha direção, e eu enfiei a mão na minha bolsa, que bolsa nada, na minha mochila de Oaxaca, e procurei meu canivete, que sempre levava comigo na previsão de alguma catástrofe urbana, mas as pontas dos meus dedos, suas polpas que ardiam, só apalparam papéis, livros, revista e até roupa de baixo limpa (lavada à mão sem sabão, só com água e vontade numa das pias desse quarto andar ubíquo como um pesadelo), mas não o canivete, ai, meus amiguinhos, outro terror recorrente e mortalmente latino-americano: procurar sua arma e não a encontrar, procurá-la onde você a deixou e não achá-la".

Bolaño, Amuleto, tradução de Eduardo Brandão

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

uma promessa de futuro

O boom se tornou assunto recorrente. Sempre que alguém o enuncia, multiplica também os seus efeitos, pois ele é determinado não apenas pela concretude dos fatos materiais, mas também – e talvez sobretudo – pela propagação do sentimento que celebra. Ele se realiza como antecipação: só existe quando acreditamos que o futuro se fez presente e, sendo assim, é indissociável da noção de progresso. Sua força é centrífuga, sua imagem é a de uma curva ascendente e seu movimento característico é o salto.

Uma vez deflagrado, o boom converte o futuro próximo em presente – atestando, portanto, uma aceleração – e converte o horizonte intangível em uma aspiração que se pretende factual. Sua força deriva da sugestão de longevidade. Paradoxalmente, ele é tanto a expressão de um contexto imediato quanto o indicador de uma tendência que não sobrevive se não é capaz de assegurar uma duração. Sendo assim, o olhar em perspectiva seria a única arma capaz de colocá-lo à prova, e a distância é o lastro que o ratifica ou a força que o desmente.

O boom, portanto, coloca em circulação uma promessa de futuro – é aposta e especulação. Nos tempos que correm, é quase sempre apresentado sob a forma de uma explosão de consumo que é tão promissora quanto alarmante. Isso porque o anúncio do boom nos convida a comparar conquistas, mensurar ganhos e formular novas demandas, e se resulta em grande medida insustentável é porque leva à formulação de anseios mais ambiciosos que são absolutamente legítimos. Ele cria padrões de vida e expectativas de futuro que muitas vezes não estão asseguradas ou mesmo previstas pelo marco dos processos que o instauram.

É por isso que ao ouvir falar do boom eu não consigo, enfim, deixar de pensar no que vem depois dele. Não porque o condene, ou porque duvide da realidade momentânea que ele busca exprimir, mas porque – talvez devido ao meu modo de pensar irremediavelmente catastrófico – não posso deixar de me perguntar se será possível cumprir as promessas que ele assinala, responder às crenças que o alimentam.