sábado, 29 de maio de 2010

sobre o porvir

"'Entrevado, desliza, arrasta-se, e o ruído niquelado de seu corpo ao aproximar-se é a única música que se ouve nos desertos calcinados do presente. Do outro lado, no outro front, já se exibe a heterogeneidade daquilo que nossos inimigos sempre consideraram idêntico a si mesmos. O que se poderia imaginar unido, sólido, começa a fragmentar-se, a dissolver-se, erodido pela água da história. Essa derrota é tão inevitável para eles quanto para nós é inevitável suportar o lastro que sua presença, seu cinismo, sua perversão calculada deixaram em nossa memória. Ou porventura alguma vez deixou de fluir, vinda do passado, a proliferação incessante da morte?', disse o Senador. 'Eles, nossos inimigos, com que convicção irão resistir? Que convicção poderá ajudá-los a resistir? Não poderão resistir. Eles vacilam, presos à aridez do porvir. Quanto a nós, aprendemos a sobreviver, conhecemos a substância cristalina, incessante, quase líquida, de que é feita nossa capacidade de resistir'" (Respiração artificial, Ricardo Piglia, tradução de Heloisa Jahn).

Um comentário:

júlia salamé disse...

eu venho aqui e leio isto. e agora, como fico?, me pergunto.

beijo, querido.